15 dez Jogaram no lixo o que foi pactuado conosco, diz acionista do aeroporto
Uma crítica frequentemente direcionada à gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, de que o
governo não respeitava contratos e causava insegurança entre investidores, se volta agora ao
governo Michel Temer.
A decisão de outubro que reabriu o aeroporto de Pampulha, em Belo Horizonte, para operar
grandes jatos comerciais, impondo à concessionária BH Airport, do aeroporto internacional
de Confins, uma concorrência inesperada, assustou os sócios privados.
O empreendimento de Confins, a 38 km da capital, foi concedido em 2014, numa época em
que Pampulha atuava só com aeronaves de menor porte, com aviação executiva e regional no
Estado.
Os acionistas privados, Grupo CCR e Aeroporto de Zurich, que têm 51% de Confins, tiveram
a estatal Infraero como sócia obrigatória com 49%, conforme determinava o modelo de
privatização usado pelo governo Dilma.
Hoje, eles estão na Justiça, pedindo que Pampulha —que é 100% da Infraero— permaneça
com abrangência reduzida porque a concorrência que ela representa desmonta as projeções
feitas pelos investidores privados, antes de se interessarem por Confins.
A liberação de Pampulha para os voos comerciais é um desejo antigo do ex-deputado
Valdemar Costa Neto, ex-presidente do PR e condenado no mensalão, que tem forte
influência na Infraero.
A recente decisão de liberar Pampulha contraria uma outra, de maio, do mesmo governo. No
primeiro semestre, o Conselho de Aviação Civil havia soltado uma portaria encerrando as
pretensões da Infraero de liberar Pampulha.
Neste semestre, porém, às vésperas da denúncia da Procuradoria-Geral da República na
Câmara contra Temer, a decisão foi revertida, e Pampulha, liberada.
Os votos do PR a favor de Temer também pressionaram pela decisão do governo de cancelar
os planos de privatizar Congonhas, em São Paulo.
Sem mencionar o presidente Temer, Renato Alves Vale, presidente da CCR, afirma que foram
razões políticas que orientaram a decisão.
“O que causa espanto para qualquer investidor é que tudo o que foi pactuado e construído foi
jogado no lixo simplesmente por uma motivação política. É um recado muito ruim para
qualquer investidor”, diz Vale.
Ele descreve o desconforto do sócio suíço e se diz surpreso com a agilidade com que a
liberação de Pampulha foi coordenada pelos órgãos do governo, apesar do prejuízo que essa
medida pode trazer à própria Infraero.
Em fevereiro, um documento do Ministério dos Transportes recomendou o veto à proposta da
Infraero de retomar os jatos em Pampulha.
Nas contas do estudo, o retorno que a estatal teria com a expansão de Pampulha não
compensaria as perdas que ela teria enquanto sócia de 49% de Confins.
Neste mês, o BNDES informou a concessionária que precisava reavaliar o impacto do novo
cenário de concorrência antes de liberar um empréstimo em torno de R$ 500 milhões para
dar suporte ao investimento feito em Confins nos últimos anos.
A questão foi parar na Justiça, mas as companhias aéreas já querem vender passagens em
Pampulha.
Procurada, a Infraero diz que “tem conhecimento dos novos estudos sobre os impactos e
conta com o BNDES para dar continuidade a seu plano de negócios”. A estatal diz que segue
diretrizes do Ministério dos Transportes.
Folha – Quanto a concessionária investiu em Confins e como está o financiamento?
Renato Vale – Fizemos mais de R$ 1 bilhão de investimento em três anos, parte com recursos
do BNDES, parte dos sócios.
O empréstimo-ponte [de curto prazo] vence em janeiro.
Quando o BNDES toma conhecimento da reabertura de Pampulha, ele decide repensar o
financiamento de longo prazo porque está baseado num fluxo de passageiros que pode não
se confirmar. O BNDES tem toda a razão de questionar. Quer ver se ainda faz sentido colocar
o financiamento de longo prazo.
A posição do BNDES confirma que Pampulha gera impacto em Confins?
Mostra que [o banco] está preocupado em que vai haver uma queda importante no fluxo de
passageiros. Por enquanto, o BNDES só falou que quer reestudar. Ele já informou que está
avaliando postergar [o vencimento do empréstimo-ponte marcado para janeiro].
Isso em geral tem um custo. Já é um prejuízo que um dos sócios está causando. Vai custar
alguns milhões. Hoje, o que temos na mesa? Não temos mais a garantia do financiamento de
longo prazo e vamos discutir como lidar com essa extensão de prazo do empréstimo-ponte.
O que acontece se não vier o financiamento?
Estamos dispostos a colocar dinheiro nosso. Não podemos deixar de pagar ao banco.
E a Infraero? Também paga? Ela tem dinheiro?
Quem toma as decisões há de ter responsabilidade e arcar com elas. Nossa expectativa é que
o sócio cumpra com suas obrigações formais.
A alternativa de pagamento via sócios, Infraero inclusive, não deixa de ser uma ferramenta de
vocês para pressionar a estatal. Vocês têm esperança de que ela desista de abrir Pampulha?
Não. A Infraero é um instrumento nessa conversa. A decisão não é dela. Ela pediu para voltar
a operar Pampulha com orientações.
A Infraero não ia fazer um pedido seis meses depois de ter uma nota que desautorizava os
voos em Pampulha. E o pedido foi aprovado em 14 dias tendo um parecer contrário, sem
fazer nem uma audiência pública, uma consulta, sem procurar nenhum órgão de ambiente?
As companhias aéreas já estão pedindo autorização de voo e vendendo passagem.
As companhias aéreas podem se prejudicar se abrirem voo no meio da briga jurídica?
Nós tivemos o cuidado de notificar todas as companhias. Dissemos: “Cuidado! Nós estamos
vivendo uma pendência entre os sócios e entendemos que não podia ter sido dada essa
autorização”.
Isso impacta a imagem da concessão de outros aeroportos?
Havia manifestações do ministério de que a vocação de Pampulha é só regional. No momento
em que tudo isso é desprezado, contra todas as contas feitas por eles mesmos, isso mostra
que o que foi pactuado entre os sócios não tem importância para o poder concedente. O que
vale é uma necessidade política.
Não valeu nada do que estava estabelecido no processo inteiro do aeroporto de Confins. Eles
dizem que lá [no edital] está dito que, se tiver um novo aeródromo, o risco é do concessionário. É. Se alguém fizer um novo aeroporto 50 km para a esquerda de Confins, não posso fazer nada. Realmente. Mas não é razoável recompor, com
prejuízos para ambas as partes, um aeródromo obsoleto.
Por que a CCR não entrou na última rodada de concessões no primeiro semestre?
Não acreditamos nos estudos de demanda do governo.
Vocês são gato escaldado? A crise de Confins não foi só Pampulha. Também teve queda na
demanda prevista. Tiveram de investir para elevar a capacidade do aeroporto a 22 milhões
de passageiros por ano, mas só têm 11 milhões.
Mas esse é risco nosso. Estamos dispostos a correr. Nós ganhamos, assinamos o contrato
em 2014, no início da crise. Foram três anos bravos. Isso é parte do risco. Perdemos, mas
acreditamos que depois vamos ganhar, que vai recuperar essa demanda e até ter mais.
O que não é do nosso negócio é mudar o que estava pactuado, o jeito de operar. Ter um
aeroporto velho fazendo voos nacionais, tirando não só demanda direta, mas toda a
conectividade de Confins, isso não é do nosso jogo.
Infraero é um mau sócio?
Enquanto acionista, nos investimentos e nas decisões do negócio Confins internamente,
temos zero restrição. Eles se posicionam corretamente, as coisas funcionam. Essa mesma
Infraero, não como sócia, vai lá e pede para reabrir Pampulha. Isso não é a Infraero. É o
instrumento de uma decisão política.
–
RAIO-X
Cargo
Presidente da CCR desde o início das atividades da companhia, em 1999
Formação
É graduado em engenharia civil, pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
Trajetória
Ocupou cargos de direção em construtoras nacionais, foi diretor de engenharia da CCR
NovaDutra e presidente da CCR AutoBAn
Fonte: Folha de S. Paulo 14/12/2017
JOANA CUNHA
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